Viajar é diminuir as distancias
entre você e seus sonhos. E a beleza é à sombra de Deus sobre o universo
essencialmente benéfico ao nosso espirito. Acredito que foi o que aconteceu com
os amigos João Maria Barros (Professor), Luciano Assis (Juiz de Direto) e
Vladimir (advogado).
Lendo a revista DIARIO de nº 1-
Macapá-Ap, novembro de 2014, deparei-me com o relato da aventura que o Dr.
Luciano Assis descreveu com detalhe de emoção o percurso do Caminho de Santiago
de Compostela. Após a leitura que realizei decidir aproveitar esse ensejo para
desfrutar no meu blog, compartilhando com amigos e demais pessoas para
aproveitarem a riqueza de experiência deste contexto. Para, então que todos
possam interagir no decurso desta trajetória que naturalmente trouxe uma lição
de vida para esses três amigos que desbravaram essa aventura.
“O Juiz de Direito Luciano Assis,
na companhia de dois amigos, percorreu o caminho de Santiago de Compostela. Uma
aventura que ele descreve com detalhe de emoção.
Fazer o caminho de Santiago de
compostela tem como inicio a velha reflexão: religioso, turístico, sabático e,
por fim, sem qualquer compromisso.
Eu, João e Vlad, pelo jeito,
optamos para “sem compromisso” com leve tendência ao motivo sabático, como
alguém que pretende se desligar do cotidiano. Todavia, estamos certos de que a
razão de cada um surgiria na medida em que superássemos cada etapa. Tínhamos em
mente: “Chegaremos lá (Santiago de Compostela)”!
Em solo espanhol, tomamos o trem
até Pamplona, cidade mais próxima de Sant Jean de Pied Port, fronteira com a
França, marco inicial do caminho francês. A primeira providencia foi procurar
um albergue para o primeiro pernoite como peregrino, ansiosos para enfrentar
aquele que seria o pior dos percursos, as montanhas dos pireneus.
Ao clarear do dia, depois de uma
pequena amostra do que nos esperava nos próximos albergues (grandes quartos com
beliches sonorizados por roncos e outros ruídos da noite, e banheiros coletivos
abrigando homens e mulheres), enfrentamos, enfim, o primeiro trecho do caminho:
Montanhas do Pirineus.
No caminho dos Pirineus
encontramos os registros do perigo dessa jornada. As cruzes ao longo da estrada
mostravam os mártires do caminho. Ao longo desse percurso soubemos que semanas
antes duas asiáticas morrerem ao tentar transpor as montanhas sob nevasca. As
dificuldades apresentadas logo no primeiro dia (dores nos pés, pernas e costas)
eram compartilhadas com as primeiras amizades conquistadas.
Uma curiosidade: a verdade do
caminho logo surgiu: “você só precisa da metade daquilo que julga necessário
para fazer o caminho”. E as bagagens começaram a ficar pelo caminho, afinal,
você vai carregar tudo aquilo que traz consigo e o jeito era eleger as
prioridades.
Vencemos chuva, a neve acumulada
no topo da montanha e o frio amenizado por um sol escaldante. Onze horas depois
chegamos a Roncesvales, onde você encontra aquela famosa placa que mostra a
dura realidade: Santiago de Compostela 790 km!
Nos três primeiros dias de
caminhada, conforme o planejado (25km ao dia), o corpo começou a “gritar”. Eu
me perguntava: “o que eu estou fazendo aqui??? Não vim pagar promessa!!!” Os
medicamentos relaxantes musculares não resolviam, tamanha dor. Veio, então, a
primeira lição do caminho: Ele (o caminho) é quem te guia! Resignados,
abortamos o percurso planejado para nos hospedar em um mosteiro em Villava, do
século XI próximo a Pamplona, com arquitetura de traços romanos e góticos. Valeu
o descanso.
Nos próximos trechos, sem a
metade da bagagem inicial, sob marcha militar, passamos por Pamplona, Puente La
Reina, Estella , cruzamos os vinhedos de Navarra até chegar aos de Rioja, em
Logrono. Bons vinhos ao longo desse percurso.
O cansaço e as dores nos
dominavam. Cientes de que a marcha militar também não dera certo, depois de 10
dias de caminhada, o jeito foi adotar a ultima estratégia, aquela dita pelo
caminho (ele é quem te guia), segundo a qual deveria ouvir nossos corpos, pois
eles sabiam quando parar bastaria obedecer.
Chegamos ao refugio de Acácio e
Orietta, um albergue apadrinhado pelo escritor Paulo Coelho, local, indicado
aos peregrinos do Brasil. O lugar é místico, decorado com imagens e símbolos
esotéricos. Ali não se paga pela estada, oferece-se donativo, colaboração, o
suficiente para arrecadar o dinheiro da comida e alguma despesa a mais.
Dali em diante, tivemos mais duas
jornadas longas: San Juan de Ortega, a 34 km e Burgos, a mais 28 km adiante.
Dois percursos sob sol intenso, deu até vontade de desistir. As dores
repercutiam em todo o corpo. Não havia mais estratégia que pudesse
minimizá-las, nem mesmo os alongamentos. Por conta disso, procuramos um pouco
mais de conforto para o descanso do dia, um hostal no centro medieval de
Burgos.
Ficamos apenas uma noite em
Burgos, mas mesmo assim pudemos conhecer a Catedral, símbolo da arte gótica, e
os jardins que seguem ao longo do riacho que corta a cidade. A passagem por
Burgos merecia um tempo maior.
Seguimos caminho, a próxima
parada seria Hornillos del Camino, localizado a 7 horas de caminhada de Burgos.
Já estávamos na semana santa,
quinta-feira, e nos deparamos com uma situação curiosa: os espanhóis aproveitam
os feriados para fazer parte do Caminho de Santiago de Compostela. E se
hospedam nos albergues destinados aos peregrinos. Conclusão: 100% de ocupação e
nós, depois de 7 horas de caminhada, ficamos sem hospedagem. Procuramos abrigo
na igreja e até acomodações improvisadas. Na igreja era proibido e as casas
estavam lotadas. Graças a um bom samaritano, fomos levados até uma cidade próxima,
fora do caminho, onde dormimos para no dia seguinte retornar ao itinerário que
nos levaria a Santiago de Compostela.
Dali em diante o clima mudou e
logo vieram à chuva e frio por vários dias. O ditado que regia era o seguinte:
“Nada é tão ruim que não possa piorar”. Passamos por Boadilla Del Camino,
Carrion de Los Condes (onde passamos o domingo de pascoa, seguido por um bom
bacalhau e vinhos da casa). Terradilhos de Los Templários e Berciano Del Real
Camino. Aqui merece um registro: o esquema do albergue era pautado na
solidariedade. Não se paga nada, apenas colabora, não só com dinheiro, mas
também o trabalho. E assim fizemos o jantar, compartilhamos o vinho, lavamos a
louca e cantamos muito e em vários idiomas, graças às mídias do tablet de um holandês.
E assim, passamos esses dias,
vencemos aquela que seria a parte mais causticante do caminho, por suas subidas
e descidas e paisagens pouco atraentes. Muitos peregrinos também chamados de
turisgrinos, “pulam” esse trecho. Nesses dias vieram as mais inusitadas neuras,
tudo conspirava pra você pensar sobre a vida, redefinir valores, reavaliar
amizades e dai por diante. Algo meio sinistro para quem não é dado a esses
tipos de reflexões.
Enfim, chegamos a Leon, cidade
escolhida para passarmos mais de um dia. Lá encontramos muitos dos amigos do
caminho, parecia que todos resolveram ficar mais um dia naquela cidade. Também
pudera, com aqueles edifícios medievais, catedral estilo gótico e construções
do império romano, descobertas nos arredores da catedral.
A culinária de Leon, por outro
lado, favorecia a estada prolongada. Bons restaurantes e bares para desfrutar
dos seus bocadillos, tudo, é claro, seguidos de excelentes vinhos,
indispensáveis diante do frio e chuva que nos assolavam.
A saída de Leon, sob chuva e
frio, foi logo superada por forte sol e vento, uma mudança brusca do clima.
Nessa toada passamos por Villavante, 32 km à frente, pequeno vilarejo. No dia
seguinte, o objetivo era Astorga, outra importante cidade do Caminho.
A Chegada a Astorga sob sol e
vento frio foi tranquila. Cidade de gastronomia exuberante, provamos o prato
típico “cocido de maragato”, acompanhado de bom tinto de Bierzo. Não foi
possível visitar o museu de Gaudi, só mesmo as lindas igrejas, alias, como de
costume ao longo do caminho.
Depois de pernoitarmos em Rabanal
del Camino, sob frio intenso, seguimos em direção a Molinaseca, logo adiante,
afinal, “o caminho é feito a passos lentos”. Um Catarinense que conhecemos
nesse trajeto, apressado demais, preferiu esticar a jornada até Ponferrada,
cidade de grande porte. A caminho de Molina-seca, chegamos à famosa cruz de
ferro, cujo local manda a tradição que os peregrinos depositem uma pedra na sua
base e façam seus pedidos. Assim o fizemos.
O local é místico, não tem quem
não se emocione ao chegar ali. A névoa, a garoa fina e o frio dão ao local um
ambiente de paz, de resignação. Tantas pedras à base da cruz mostram a fé dos
peregrinos, quantos pedidos, promessas e agradecimentos depositados ao longo do
tempo. É, para nós, pareceu-nos um divisor de momentos do caminho. Ali,
encerramos a fase das estratégias de condicionamento físico, das reclamações das
dores pelo corpo. Finalmente, assumimos o caminho como algo natural, que
deveria ser vencido dia a dia, respeitados os limites que o organismo nos
impõe. Resolvemos, enfim, caminhar... E só! Era mais uma lição...
Superamos os dias frios, de sol
forte e muito vento, além dos percursos com paisagens não muito atraentes, o
que nos restou de bom foram as reflexões, as orações, as conversas de “pé de
orelha” com Deus nesses momentos de dificuldades. Afinal de contas, eram vinte
e tantos quilômetros todos os dias e sob aquelas intempéries.
De Molinaseca em adiante,
abriu-se um novo cenário, a começar pela chegada a essa cidadezinha, incrustada
ao pé de uma montanha e a banhada por um riacho de águas cristalinas, cujas
margens eram decoradas por flores, mostrando a exuberância da primavera
europeia. E tantas foram as flores que nos fizeram lembrar a família,
todas retratadas ao longo da jornada.
Ajustando “GPS” humano para
Cacabelos, nossa próxima parada, ao chegar já surgiram os primeiros sinais de
que a da Galicia estava próxima, graças à gastronomia oferecida nos
restaurantes, com destaque para polvos feitos dos mais estranhos modos, além das
parrilladas. Para nós, de cara, “pulpo a gallega” acompanhado de vinho branco.
Não houve muitos registros fotográficos, pois o cansaço nos dominou e
precisávamos de repouso, pois em dois dias enfrentaríamos o segundo maior
obstáculo do caminho: o temido Cebreiro. Juntocom o descanso, foi-se o mês de
abril.
No dia seguinte feriado de 1º de
maio, tivemos um bom dia pra caminhar, com destino a Veja de Valcarce, ultima
parada até a base do Cebreiro. Quem encontramos lá? Aquele catarinense
apressado... Pasmem, com preocupante lesão nos tendões do pé, em repouso por
orientação medica. Talvez por não ter levado a serio a lenda de que “o caminho
se faz a passos lentos”, aquele esforço desnecessário de dias atrás comprometeu
o restante de sua caminhada. Ficou pra trás.
Descansados, seguimos para o
Cebreiro. Foi simplesmente incrível. A subida íngreme da montanha justificava o
temor tão noticiado. A cada passo, parecia que o céu ficava mais próximo,
chegamos a atravessar as nuvens. O frio da Altitude e o ar rarefeito nos
cansavam ainda mais. Passamos pelo marco que indicava que estávamos entrando na
região da Galícia. Lá no topo, vencida a subida, um vilarejo constituído de
construções de pedra nos esperava com suas lembranças e comidas típicas, algo
muito voltado para o turismo, distanciado do caminho. O horário da chegada e a necessidade de seguir em
frente não nos permitiu muito tempo ali. Só mesmo os registros fotográficos.
A peregrinação estava próxima do
fim. Nosso objetivo, agora, era chegar a Melide, na Galícia, para comemorarmos
o aniversario de João Maria Barros, 61 anos aos 4 de maio, em pleno caminho de
Santiago de Compostela. Festejo com parrillada e vinho, muito vinho.
Pé na estrada no dia seguinte.
Todos preparados para Arzúa, cada vez mais próximos de Santiago de Compostela.
A ansiedade estampada nosso comportamento. Era um misto de vontade de chegar
com o de “pena que está acabanndo”. Em Arzua, a preocupação era o joelho de
João, que insistia em doer desde o inicio da caminhada. Não seria agora, a pouco
menos de 40 km, que haveria uma baixa. E haja anti-inflamatórios e repousos no
Albergue Los Caminantes.
Do albergue Los Caminantes, em
Arzua, até Arca foi um pulo. Era a ultima etapa da viagem até Compostela. Na
Pension da Arca passamos a ultima noite.
Ansiosos, seguimos rapidamente no ultimo dia. Passamos por Monte de Gozo,
ultima parada do caminho, de onde já se avistava Santiago de Compostela.
A medida que nos aproximávamos da
cidade já vinha à cabeça sobre como seria a chegada. Afinal de contas, foram
mais de 800 km de caminhada, do dia 4 de abril a 7 de maio. E assim chegamos à
cidade, percorremos quase duas horas pelas ruas de Santiago de Compostela.
A ideia comum era a de que a
chegada seria apoteótica, pela porta da frente da Catedral, por onde os
peregrinos de joelhos ou deitados, agradecem a Deus a conclusão do percurso. E
dali, também, tínhamos reservado nossa vaga num albergue ali próximo,
encerrando assim a jornada.
O curioso é que, seguindo as
setas amarelas do Caminho chegamos primeiro no albergue. “Uai, cadê a
Catedral??? Perguntávamos uns aos outros. Não teria graça se fosse no estilo
tradicional. Eis que nós estávamos exatamente na lateral da catedral, bem em
frente a uma porta de acesso, daquelas
simples.
Essa chegada sem aquela pompa
toda retratou bem o propósito do caminho. Simples, como começou e terminou.
Cada um fez o seu cada qual criou a motivação ao longo da jornada. E nós
achamos que esse, sim, é o verdadeiro caminho, aquele que vem de dentro, por
meio do qual você se liberta das
paixões, submete sua vontade e realiza progressos na vida espiritual. De fato,
quem faz o caminho volta diferente. Ao adentarmos à catedral, lotada por peregrinos, romeiros, turistas, enfim,
católicos do mundo, só nos restou agradecer a Deus pelo êxito. As orações e
meditações ao longo do caminho foram providenciais ao sucesso. Fisicamente,
todos bem. O joelho do João aumentou; Vlad, com algumas bolhas; eu, nem isso.
“Mas e as pessoas que também
faziam o caminho, como foi a relação com elas? “Vocês inevitavelmente gostariam
de perguntar. Bem, isso pode ser contado noutra ocasião, até porque Vedran,
Stivie, Paolo, Karla Massa, Claudia Untar, Emilio, Ângelo, Marcos e tantos
outros, cada um tem sua historia no caminho.
É isso aí, buen caminho!”